Sunday, March 30, 2008

UMA PEQUENA FICÇÃO DE DOMINGO

Era uma vez um miúdo hiperactivo. 
Acordava de vinte em vinte minutos com ganas de ver sombras na parede. 
Torcia o pescoço para ver tudo à sua volta. 
Tirava o lençol e os cobertores das pernas com pequenos e fortes pontapés. 
Agarrava a chucha para fazer sons inacreditáveis que se assemelhavam a cânticos ciganos com um pouco de fado à mistura. 
Tudo se esperava desse miúdo. 
Que crescesse depressa e bem, que fosse inteligente, porventura doutor ou arquitecto, pianista, de boa índole, com bom carácter e recto. 
Ele, por ora, só se interessava em sombras na parede e em que dançassem com ele ao espelho. Ria-se que nem um miúdo se ri. Soltava gargalhadas. 
Porque as cólicas já tinham passado tinha um misto de tranquilidade adulta e de hiperactividade infantil. 
Quando se chateava, torcia-se todo e tentava chorar, mas só conseguia ficar muito vermelho. Dava gritinhos quando não via os pais no ângulo de visão ou quando o punham no tapete de actividades com todas as músicas ligadas ao mesmo tempo. 
Esse miúdo não imaginava, e ainda bem, tudo o que esperavam dele. 
Bastam-lhe as sombras na parede e que dancem com ele ao espelho. 

Friday, March 28, 2008


A febre de Sexta à noite nunca soube tão bem quanto agora. É verdade que há quase quatro meses que estou em casa, pelo que a sensação de sexta se repete indefinidamente todos os dias de semana. 
Mas, on a closer look, não é bem assim. 
É que o dia a seguir é comungado com a mesma felicidade pelos outros membros da família, vulgo o marido e até o filho. Parece que o meu rebento já percebe quando é fim de semana. Talvez porque na sexta a televisão fica ligada mais tempo e o meu cansaço, ainda que tenha atingido um grau inexplicável, abstrai face à alegria já tradicional de uma sexta à noite.
É um fenómeno curioso. 
Já não me fazem falta as grandes noites de sexta, com direito a jantar e a bar e a discoteca e a uma quantidade irrevelável de bebidas alcoólicas.
Continuo a gostar de jantaradas e de música (dispenso as bebidas alcoólicas por ossos do ofício maternal), mas não há nada que eu não possa ter em casa, com um grupo de amigos. 
Ou estou a ficar velha, hipótese que não excluo, ou estou a ficar menos paciente. 
Porque há uma enorme dose de paciência associada a ficar duas horas para estacionar na 24 de Julho, mais uma hora para nos servirem, mais duas para que nos tragam uma caipirinha e acabar a noite numa discoteca à pinha em que só se consegue ouvir uma conversa na casa de banho.
Decididamente, se isto é estar a ficar velha, não tenho nada a opor (das rugas trato eu, para além de que sempre me pareceu que a frequência assídua de discotecas me daria mais rugas do que três sessões seguidas de cinema em casa).

Tuesday, March 25, 2008


Enquanto fumava um cigarro na varanda desperdicei alguns pensamentos soltos acerca do poder dos comportamentos. 
Desenganem-se aqueles que, por verem Freud pelos olhos de Warhol, já esperam que vos fale de líbido e desejos sexuais. Esta imagem destina-se tão simplesmente a captar atenções. Poderia chamar-se um teaser. 

Do que pensei enquanto fumava era de desejos menos carnais e digamos, apenas psicológicos.
 
Todos os sábados, pelas 23h00, estou sentada em frente da televisão para ver Project Runway.

 "sixteeeennn designers" como grita Heidi Klum (em tom agudo) tentam a sua sorte num concurso que poderia ser só de design. 
Se assim fosse, não teria a piada que tem. 
É que há muito tempo não via melhor representação da natureza humana, no seu pior (e melhor). 
Os concorrentes são muito mais do que designers, são pessoas hipócritas, mesquinhas, fracas, divertidas, ruins, cínicas e patéticas. Nada me faria rir, desde talvez as primeiríssimas edições do Big Brother e os pontapés que de lá saíam, tanto como o Project Runway. 
E agora perguntam-se vocês: o que raio tem isto a ver com Sigmund Freud? Tudo a ver. 

É que às vezes ponho-me a pensar o quanto mascaramos as nossas fraquezas em comportamentos de aceitação social. Mas quando sonhamos, não há filtros. E o Project Runway lembra-me isso mesmo. Faltam filtros, vale tudo. 

Querem coisa mais refrescante para Sábado à noite?

Do que sinto mais falta é de dormir. 
Dormir durante mais de quatro horas. 
Não precisar de livros aborrecidos para me atirar aos prazeres de um bom colchão colunex e de uma boa almofada. 
É terrível não conseguir dormir quando todos à nossa volta ressonam, mesmo que silenciosamente. 
Não há revista de fofoquices, dez cigarros e chá que me dê de volta a consciência tranquila de uma boa noite de sono. 
Dizem que é da maternidade e resigno-me a aceitar que serei para sempre quem  gastará mais horas de manhã a disfarçar as olheiras. 
Para já, tenho cartão de cliente nas perfumarias onde se adquirem milagres de maquilhagem e conta aberta, segundo espero, nos agradecimentos que o meu filho, quando crescer, irá transformar em pequenas dádivas que espero se assemelhem àquelas que Maria Dolores recebe de Cristiano Ronaldo. 

Nem um pouco menos. Nem que o destino do meu filho passe pela bola, o que, nos dias que correm, é bem maior motivo de orgulho do que qualquer curso de Medicina...

Monday, March 24, 2008




Quando se começa, já não se consegue parar. Esta vontade de publicar é viciante. O meu filho está finalmente calmo (significa que me deixa cerca de dez minutos de "alforria"). Dez minutos servem para muita coisa, como tive oportunidade de aprender nos últimos tempos. 
Para já, um banho de cinco minutos pode não ser o conceito mais restrito de asseio, mas sempre é melhor que não tomar banho. 
O almoço, em dez minutos, exige igualmente criatividade (e boas panelas). No caso, uma torradeira e um micro-ondas fazem o serviço.
As inconstâncias de um recém nascido fazem crescer em nós a certeza de que não há nada a que se não resista. 
Dormir três horas por noite, muito fácil... 
Embalar um berço com o mesmo braço durante vinte minutos seguidos, piece of cake.
Houve quem dissesse que ter um filho é o maior potencial de infelicidade que pode haver. Por muito dramático que possa soar, nada é mais verdadeiro. 
Que venham julgamentos perdidos, prazos difíceis, discussões ou momentos de depressão. 
Mas o recém-nascido que não se atreva a dar-nos preocupações, porque essas sim, fazem-nos "suar as estopinhas". 
E mais não digo, que a maternidade deve ser vivida no recato de cada um...


FINALMENTE DE VOLTA...


Sempre disse que as melhores surpresas são aquelas que vêm muito tempo depois de termos perdido a esperança. Sei que os meus leitores (poucos, conhecidos e na sua maioria amigos) já se perguntavam o porquê do meu silêncio. 2007 foi o ano boom. "Honey boom" e baby boom.

Quando anunciei o meu enlace estava longe de imaginar que se seguiria o enlace profissional com novos empregadores e daí, o maior enlace de todos, com um ser pequenino que é o meu mais recente filho de três meses. São razões de sobra para não me sobrar tempo para escrever. Aliado ainda ao facto de, dado o tempo entretanto decorrido, me ter esquecido da palavra passe...
De todo o modo, a inspiração tem de ser trabalhada e cultivada, e o meu recente rebento carece de maior atenção. 
E eu, por muitas noites que não durma e fraldas que mude, nunca me sentirei tão descansada como agora. Achava eu que uma jovem (na casa dos trinta...) aspirante a executiva não se coadunava com fraldas sujas, mas há coisas bem mais sujas que as fraldas do meu filho. 

Em tom de sumário, que os textos "testamentários" são para solteiros, só há algo que me entristece. O meu cão já não vive connosco. Antes que retirem um sentido melo-dramático desta expressão, passarei a explicar: para quem o conhece, e nos conhece, era impossível manter juntos um bull terrier que deseja ardentemente morder em todos os objectos que encontra pelo caminho e uma criança recém-nascida. Optámos, naturalmente, pelo bem estar da segunda. O primeiro, segundo sei (queria saber mais, mas o decoro obriga-me a não elefonar todos os dias ao actual dono..) vive muito bem e provavelmente já não se lembrará de mim. 

Mas não deixo de pensar no Camões todos os dias um bocadinho. 

Na forma arrastada como se levantava da cama e na energia imparável com que me estragava os chinelos. 

Nas noitadas em que se deitava ao meu colo com trinta quilos de peso como se fosse um peluche de três quilos.

No olhar "gato do Shrek" com que pedia comida e na fúria "assassina" quando não acediamos aos seus pedidos.

Espero que um dia o meu filho tenha o mesmo carinho por um bicho como tivemos por ele. Soa a patético, talvez. Mas não há quem resista a uma memória feliz.